quarta-feira, 4 de maio de 2011

Participação de parentes de servidor em licitações - Entendimento atual do TCU

O art. 9º da Lei 8.666 arrola em seus incisos I, II e III as chamadas pessoas impedidas de participar de licitações e contratações diretas, assim como de suas execuções. O §3º e 4º conceituam e vedam a participação indireta. Em nenhum desses dispositivos encontra-se proibição relativa a pessoas que guardem algum grau de parentesco com servidores integrantes dos quadros da Administração promotora do certame.

No âmbito do TCU, a  Decisão paradigma era a de nº 603/97, que determinava "a Justiça Federal de Primeira Instância no Estado do Pará que observe fielmente as prescrições contidas no art. 9º da Lei nº 8.666/93, de forma a somente vedar a participação, direta ou indireta, nas licitações e na execução de obra ou serviço e no fornecimento de bens a eles necessários, das pessoas arroladas nos incs. I, II e III do referido dispositivo". O fundamento era no sentido de que, tratando-se de normas restritivas de direito, não se permite a ampliação para outras hipóteses não descritas.

Não é preciso dizer que a questão sempre gerou controvérsias que vinham sendo solucionadas caso a caso. De uma maneira geral, orientava-se aos órgãos e entidades sob o julgo da Corte de Contas federal que permanecesse atenta a eventual ocorrência concreta de afronta aos Princípios da Moralidade e da Isonomia, mediante a auferição de vantagem indevida.

Os debates sobre o tema foram evoluindo gradativamente, resultando em algumas normas proibitivas. Em 2005 o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 07 de 2005, que prevê como prática de nepotismo "a contratação, em casos excepcionais de dispensa ou inexigibilidade de licitação, de pessoa jurídica da qual sejam sócios cônjuge, companheiro ou parente em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, dos respectivos membros ou juízes vinculados, ou servidor investido em cargo de direção e de assessoramento". Em 2010 foi editado o Decreto nº 7.203/10, que disciplina a vedação ao nepotismo no âmbito da Administração Pública federal, determinando, entre outros, que "serão objeto de apuração específica os casos em que haja indícios de influência dos agentes públicos referidos no art. 3º (...) II - na contratação de familiares por empresa prestadora de serviço terceirizado ou entidade que desenvolva projeto no âmbito de órgão ou entidade da administração pública federal". Ainda, que "Os editais de licitação para a contratação de empresa prestadora de serviço terceirizado, assim como os convênios e instrumentos equivalentes para contratação de entidade que desenvolva projeto no âmbito de órgão ou entidade da administração pública federal, deverão estabelecer vedação de que familiar de agente público preste serviços no órgão ou entidade em que este exerça cargo em comissão ou função de confiança."

Recentemente, o Acórdão nº 607/11-TCU/Plenário traz uma postura mais rigorosa. Analisando uma Representação interposta pela Câmara Municipal de Marataízes/ES, a Egrégia Corte de Contas federal concluiu que a contratação de empresa pertencente ao sobrinho do prefeito fere os princípios da Moralidade e da Isonomia, observe-se:

"Assevero que a irregularidade verificada no item 3.4 acima afronta os princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade que devem orientar a atuação da Administração Pública e, mesmo que a Lei nº 8.666, de 1993, não possua dispositivo vedando expressamente a participação de parentes em licitações em que o servidor público atue na condição de autoridade responsável pela homologação do certame, vê-se que foi essa a intenção axiológica do legislador ao estabelecer o art. 9º dessa Lei, em especial nos §§ 3º e 4º, vedando a prática de conflito de interesse nas licitações públicas, ainda mais em casos como o ora apreciado em que se promoveu a contratação de empresa do sobrinho do prefeito mediante convite em que apenas essa empresa compareceu ao certame.

Ressalto que a ação dos gestores públicos deve pautar-se sempre pela busca do atendimento aos princípios insculpidos na Constituição, mormente os que regem a Administração Pública. E, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, Editora Malheiros, 17ª Ed., 2004, pág. 842: 'violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos'." (Sem grifos no original.)

7 comentários:

  1. Prezada Dra. Gabriela,
    ótimo texto parabéns. Estava lendo os debates do linkendIn e somente a sua resposta havia coerência e fundamentos. Obrigado por compartilhar o conhecimento.

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  2. Dra. Gabriela Pércio,
    Na seguinte hipótese em que no Contrato Social da empresa licitante "X" consta como administrador "A" com 99% (Sem vinculo algum com a administração) e sócia "B" com apenas 1% (cotista)servidora pública pertencente ao quadro da administração (professora), porém sem qualquer ocupação de cargo em comissão, ou gerência, ou outro de cunho decisório, e inclusive sem qualquer participação ou conhecimento com a Comissão de Licitação.Insista-se, sem qualquer possibilidade de interferir no julgamento do certame.
    No ato da licitação, essa empresa "X" vence determinados itens por apresentar a proposta mais vantajosa para a administração.Em seguida a Comissão habilitou-a. Encerrada a sessão, a Comissão divulga no Diário oficial do Municipio a INABILITAÇÃO da empresa "X" sem manifestar as razões, o que posteriormente descobri-se que fora inabilitada por possuir no contrato social servidora do quadro da administração (parentesco).
    Pergunto: Não havendo qualquer possibilidade de interferir no julgamento do certame, haja vista que a empresa venceu os itens na etapa de lances frente aos concorrentes, é LEGAL a inabilitação?
    Grande abraço,
    Odair Pin

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    1. Caro Odair, a interpretação dos limites do art. 9º da Lei 8.666/93 é bem complexa, na prática. Como regra, pretende-se que ele seja interpretado restritivamente, ou seja, apenas considerando como impedimentos de plano as hipóteses nele arroladas, exigindo-se, contudo, da Administração, um dever de cuidado nas situações concretas para que os princípios da moralidade e da isonomia não sejam afrontados em outras situações. Pois bem. A luz de critérios de razoabilidade, não me parece que essa configuração empresarial possa afrontar aludidos princípios, a não ser que, na prática, pudesse haver algum indício de benefício à empresa vencedora decorrente do vínculo da sócia absolutamente minoritária e sem poder de decisão e influência dentro da Administração contratante. Contudo, essas decisões são sempre muito complicadas para o gestor que, muitas vezes, acaba adotando a linha mais segura para afastar riscos de questionamento, especialmente relativos a atos que possam gerar a suspeita de improbidade administrativa. Grande abraço!

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  3. Em se tratando de uma contratação direta de uma concessionária de serviço público de telefonia, e também necessário que a contratada assine uma declaração de não nepotismo, como ocorre nas demais contratações diretas?

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  4. Prezado, para os fins da declaração em questão, o Decreto federal 7.203/2010 não diferencia quanto à natureza jurídica da empresa contratada ou do serviço prestado. Então, a rigor, a exigência da declaração tem cabimento, com as ressalvas do art. 4º.

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  5. Prezada Dra Gabriela boa noite.
    Sou dono de uma empresa, cujo sou sócio juntamente com minha mãe.Minha irma e funcionaria de um órgão federal, cujo haverá uma licitação ao qual gostaria de participar.nesse caso, eu ate poderia participar, mas não poderia ganhar?Ou eu nao poderia participar de forma alguma?Obrigada

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  6. Prezado, trata-se de uma questão relacionada ao impedimento de participar da licitação. Então, se fosse o caso de haver o impedimento legal, a empresa seria excluída desde logo da licitação. A possibilidade, ou não, de vc ser mantido no certame, dependeria, basicamente, do cargo ou função ocupada pela sua irmã dentro da estrutura do órgão, que orientaria a análise do caso concreto pela comissão de licitação/pregoeiro. Quanto mais próxima ela estiver da licitação, maior será a possibilidade de caracterizar-se o impedimento.

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